Governo edita medida provisória com Marco Legal da Securitização

A MP prevê a criação de duas novas formas de investimento: O Certificado de Recebíveis (CR) e a Letra de Riscos de Seguros (LRS)

Em um cenário de escassez de crédito, em decorrência da crise que o país vem enfrentando desde o início da pandemia, o Governo publicou, no dia 15 de março de 2022, a Medida Provisória 1103/22.

A Medida tem a finalidade de estabelecer o tão aguardado marco legal para o mercado de securitização de recebíveis – hoje disperso em legislações específicas – e assim, ao ampliar a oferta de mecanismos de mitigação de riscos, oferecer mais segurança jurídica e transparência a esse mercado.

De acordo com o chefe da Assessoria Especial do Ministro da Economia, Adolfo Sachsida, “com o Marco da Securitização, as empresas terão um instrumento financeiro para ter acesso a mais crédito, mais segurança, mais seguros com juros menores para as empresas e para o trabalhador brasileiro”.

Dentre as principais inovações propostas pela Medida, merece destaque, em primeiro lugar, a inauguração, na legislação brasileira, de um conceito único de Securitização. Foi fixada a seguinte tese: “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam” (art.17, parágrafo único).

Assim, ao criar um conceito único, a lei garante maior segurança legislativa, proporcionando um alcance uniforme de novas regulamentações a todos os tipos de securitização.

Securitização é uma operação financeira que transforma dívidas em títulos de crédito. Trata-se, basicamente, da negociação entre empresas – que possuem dívidas a receber de seus clientes e precisam de capital para investir em seus projetos – e investidores, que aceitam o risco de inadimplência. Desse modo, o ato de transformar as dívidas em títulos – chamados de Certificados de Recebíveis – garante o pagamento antecipado do débito aos credores.

Esta prática é extremamente comum e se presta à alavancagem de recebíveis por parte de empresas que atuam em mercados com alto endividamento e, principalmente, longo prazo para amortização. A partir da comercialização dos títulos, portanto, abre-se margem para o recebimento antecipado destas dívidas, permitindo, assim, o investimento de tais valores em outras atividades relevantes à operação e ao crescimento da empresa que originariamente detinha os créditos.

Por outro lado, a aquisição destes títulos por investidores revela-se um negócio rentável, na medida em que viabiliza a realização de aportes em títulos de dívidas que, em que pese envolvam riscos de inadimplência, viabilizam a obtenção de margens de lucro superiores àquelas praticadas em outros investimentos convencionais.

Ao fim e ao cabo, o resultado auferido pela empresa que originariamente detinha o crédito é o recebimento adiantado da dívida, excluído o risco de inadimplência. Para que este negócio se opere, no entanto, o credor originário deve abrir mão de uma parte do crédito a que fazia jus – de modo a viabilizar a obtenção de lucro pelo credor que vier a adquirir a dívida –, representando, tal desoneração, uma espécie de seguro pago para a obtenção da quitação da dívida.

Toda esta negociação se dá por intermédio de uma instituição financeira, que transforma dívidas em títulos negociáveis no mercado de capitais. Justamente por intermediar esta relação, de modo a viabilizar a securitização da operação, a instituição financeira é classificada como uma securitizadora.

Destarte, conforme o artigo 17 do dispositivo em comento, os Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, e constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e título executivo extrajudicial. Isto posto, salienta-se que a ideia central da MP é ampliar as possibilidades de financiamento para diversos setores da economia.

A Medida estabelece que o instrumento do Certificado de Recebíveis, vigente no mercado imobiliário e do agronegócio, poderá ser emitido em qualquer setor econômico que tenha pagamentos a receber. Entretanto, diferentemente do mercado imobiliário e do agronegócio, os rendimentos dos demais Certificados de Recebíveis não estarão isentos do imposto sobre renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas. Portanto, aplicam-se aos Certificados de Recebíveis as regras de tributação aplicáveis a títulos de renda fixa (Lei nº 11033, de 21 de dezembro de 2004).

O instrumento dos Certificados de Recebíveis representa, ao propor estruturas menos custosas e complexas, uma alternativa aos fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC. Não obstante, para a emissão do CR, a legislação prevê a necessidade de uma empresa de securitização, justamente para evitar possíveis fraudes.

Também foi criada a possibilidade de a companhia securitizadora celebrar com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis, de forma a receber recursos para a aquisição de direitos creditórios que servirão de lastro para a sua emissão, conforme chamadas feitas de acordo com o cronograma esperado para aquisição dos direitos creditórios. (art. 19, § 6º).  Tal possibilidade traz para o mundo das securitizações uma forma de gestão de recursos muito mais eficiente.

Em seu artigo 24, a Medida esclarece que a companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização e, se houver, do cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios (art. 24).

O regime fiduciário possibilita que os créditos afetados sejam segregados do patrimônio comum da companhia, passando a integrar patrimônio separado. Tal regime é um instrumento essencial para viabilizar a realização de várias operações de securitização por uma mesma companhia securitizadora, com segregação de risco de crédito entre elas, conferindo maior segurança jurídica ao investidor.

Além do Certificado de Recebíveis, o Marco Legal também prevê a criação de outro instrumento financeiro, a Letra de Risco de Seguros (LRS), dirigida ao setor de seguros. A LRS é título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros.

O  modus operandi da LRS será similar àquele utilizado nos Certificados Recebíveis. Mas com uma diferença: Os títulos deverão estar vinculados a uma carteira de apólices de seguros e resseguros, cuja emissora será uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE).

De acordo com dispositivo em comento, SSPE é a sociedade seguradora que tem como finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações, independentes patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão de uma ou mais contrapartes e seu financiamento via emissão de LRS, instrumento de dívida vinculada a riscos de seguros e resseguros (art. 2º).

A partir da emissão de LRS’s pelas SSPE’s, pretende-se a pulverização dos riscos relacionados à aquisição das dívidas em negociação, o que se dará a partir da transferência dos riscos das diversas seguradoras ao mercado de capitais. Em síntese, a seguradora recebe um prêmio pelo seguro e repassa parte desse prêmio para a SSPE, que emite a LRS para os investidores. Os investidores receberão os prêmios, os juros e um principal, mas o retorno depende da materialização ou não dos sinistros.

Assim, afasta-se a ocorrência de riscos de grande magnitude decorrentes de eventos de grande magnitude, como catástrofes climáticas, guerras e conflitos civis. Deste modo, reduz-se a necessidade de inclusão de capital no balanço de seguradoras e resseguradoras.

O CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) será o órgão competente para, além das competências previstas no dispositivo, estabelecer as diretrizes e as normas referentes aos contratos e à aceitação, pela SSPE, dos riscos de seguros e resseguros, do seu financiamento via emissão de LRS e das condições da emissão.

Vale lembrar,  ainda,  que o investidor não estará livre de riscos. Ao que dispõe o § 2º do artigo 11 da referida legislação, a LRS deve possuir relação paritária com os riscos aceitos pela SSPE, os quais devem ser, integralmente e no mesmo montante, cobertos pela LRS emitida. Isto é, a LRS estará sujeita aos mesmos riscos da sociedade seguradora e os direitos dos investidores titulares das LRS estão, em todos os momentos, subordinados às obrigações decorrentes do contrato de cessão de riscos à SSPE. (art. 11, § 4º).

A MP está em vigor desde 16 de março de 2022. Sendo assim, seu efeito é imediato, ou seja, todos os atos jurídicos praticados durante sua vigência serão considerados perfeitos. Contudo, a Medida precisa ser convertida em Lei no Congresso Nacional até 15 de maio de 2022 para que vigore definitivamente.

Referências Bibliográficas:

Medida provisória nº 1.103, de 15 de março de 2022.. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 mar. 2022. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1103.htm Acesso em: 22 mar. 2022.

Artigo escrito por:

*Daniel Maffessoni Passinato Diniz – Advogado. Sócio do escritório Passinato & Graebin – Sociedade de Advogados. Professor de M&A, Arbitragem e Direito para Startups na FAE Business School.

*Luiz Paulo Dammski – Advogado. Sócio do escritório Dammski & Machado Advocacia. Mestre (UNIBRASIL) e Doutorando em Direito (UFPR).

por Agência Descomplica

- 25 de abril de 2022
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